17/07/2007

Conto em Cabo Verde - parte IX

Ao contrário do que dizia no final da parte anterior, na prática este é realmente o último dia em Cabo Verde, se tivermos em conta que amanhã, ao meio-dia, já as duas criaturas que temos vindo a conhecer como Adão e Eva vão estar a sobrevoar o Atlântico. Vamos continuar a tratá-los assim, como os dois supostos primeiros seres humanos a habitar a Terra. Continuemos a tratá-los assim, agora, sem dúvida, por uma questão de birra, porque já que se aguentou até aqui, sofre-se mais um bocado e descobre-se o nome de ambos quando se apresentarem. Avancemos.

Adão acorda. Eva já há muito regressou ao quarto, silenciosamente para não acordar a mãe. Ainda estremunhado pelo sono, parece-lhe sentir uma presença a seu lado, o que o leva a virar-se para abraçar Eva, pensa ele. Não. Era apenas uma almofada. As horas que o telemóvel indica mostram que daí a instantes os pais do jovem vão bater-lhe à porta e perguntar-lhe se vai tomar o pequeno-almoço. Ora tratando-se do último dia, Adão está decidido a ver tudo o que já vira antes, mas agora com olhos de quem sabe que vai partir e tão cedo não volta. Assim, a ânsia parece acelerar o tempo. As horas passam a um ritmo vertiginoso. Tão depressa está a ser abordado por empregados que oferecem champanhe em jeito de despedida, como está a bebericar um cocktail junto à piscina ou uma cerveja na praia. Aparentemente, a ideia que Adão tem de aproveitar bem o último dia é, basicamente, embebedar-se e tentar, sendo "tentar" a palavra-chave da acção, fazer exactamente o mesmo que nos outros dias. Poder-se-ia dizer que esta é uma atitude estúpida, por isso vamos lá: é uma atitude estúpida. E no entanto:

- Não achas que já chega? – finalmente uma linha de diálogo da mãe de Adão.

- Mãe, deixa lá, estamos de férias, certo? Deixa aproveitar, daqui a uns dias volta tudo ao mesmo, as chatices no trabalho, as chatices nas relações, as chatices em casa…

- Sim, mas não gosto de te ver assim. Mas já percebi pela tua cara que não adianta de nada... Olha, ao menos põe-te direito, vem aí a tua amiga... – a mãe de Adão, que a ter um nome teria de ser Deus, faz um sorriso trocista. É Eva que se aproxima e o sexto sentido de mãe já há uns dias que percebeu os olhares do filho em relação à jovem. Adão não protesta, não contesta, não esboça sequer um desmentido, simplesmente estaca na cadeira e fica a observar Eva a avançar à sua frente. Observa-lhe os passos calmos, o olhar distraído, irradiando toda uma aura de descontracção. Parece-lhe que a pessoa que passa diante de si é ou está algo diferente da pessoa que aterrou em Cabo Verde. Já não lhe distingue o ar abatido ou a pose pedante dos primeiros dias, como quando insinuou que Adão a estaria a seguir… “Afinal, só estava a precisar de uma queca!” pensam os neurónios levemente tocados pelo álcool.

Mas Eva não estava a precisar simplesmente de uma queca (sim, o narrador devia ter mais juízo do que as personagens, mas a palavra queca é irresistível demais!), estava a precisar de sentir. Sentir, simplesmente, física e emocionalmente. E se é verdade que a parte sentimental tem sofrido em detrimento da parte física, também não deixa de ser verdade que os pequenos desabafos, birras e brincadeiras com Adão foram dos poucos momentos de descontracção (esta palavra mais uma vez, para mostrar o verdadeiro sentimento da jovem) que teve no último ano. Uma pena que não tenham tentado recuperar um pouco dessa arte quase perdida que é o diálogo, teria sido curioso ouvir Eva falar do pai e Adão falar do avô que nunca conheceu, mas que tanto o ajudou através do tio. Mas enfim, é a vida. Adão continua a observar Eva até esta desaparecer ao longe. Algo que não admite nem sequer a si próprio é o facto de começar a sentir saudades da jovem.

À noite, quando Eva lhe bate à porta, Adão está deitado na cama. Dorme como se de uma criança se tratasse. Não está, nem de longe nem de perto, bêbedo, mas realmente a cabeça começava a pesar-lhe quando se deitou a fazer horas à espera de quem lhe bate agora à porta (e que não obtém resposta). Temendo denunciar-se ao quarto ao lado (ocupado pelos pais de Adão), Eva desiste, sem saber muito bem o que pensar. Diz a si própria que não quer saber, ele é que perde, se calhar até foi para a discoteca e está neste preciso momento a fazer-se a alguma mulata. Sai do edifício, avança para o jardim de areia (que, na manhã seguinte, denunciará o seu percurso ao jardineiro de areia) e procura a varanda de Adão. A janela está aberta, o vento faz voar as cortinas, Adão está na cama, a ressonar, Eva sorri e, não o admitindo nunca, suspira de alívio.

- Ei! – Adão nem se mexe – Ei! – isto seria mais fácil se soubessem o nome um do outro, mas já lá vamos – EI! – Adão estremece – Ei, ei! Na janela!

Adão esfrega os olhos e tenta sacudir o sono. Pareceu-lhe ouvir alguém dentro do quarto, mas quando olha para a janela desperta imediatamente todos os sentidos. Principalmente o do sarcasmo…

- Oh bela donzela, viestes salvar-me da clausura? – declama Adão, gesticulando exageradamente.

- Deixa-te de disparates e abre-me a porta!

- A porta? Mas de que serve a porta se tu estás aí fora? – debruça-se no parapeito, Eva pensa que ele procura um beijo e levanta o rosto. Adão não se apercebe do gesto, agarra-a pelas ancas, levanta-a e puxa-a para dentro – Vês? Elevador privado e tudo! Espectáculo! – agora sim, beija-a - Olá.

- Ui, antes de mais – ela fala com um olhar algo enojado – vais lavar a boca!

- Hum… É justo…

Eva está sentada na cama enquanto observa Adão a lavar os dentes. Em pequena, costumava correr para o quarto dos pais e escondia-se debaixo da cama. Pouco depois, entrava o pai, fingindo não saber que a pequenita lá estava, e começava a fazer as coisas mais rotineiras. Debruçava-se sobre o espelho do quarto de banho a olhar para a barba, fazia caretas à procura de rugas, puxava o cabelo para trás à procura dos primeiros sinais de calvície e fingia que não se apercebia da filha a esgueirar-se para o assustar. Invariavelmente, antecipava-se e agarrava pela cintura, como momentos antes fizera Adão, e levantava-a no ar, como se fosse um avião. Mesmo durante a adolescência, mesmo nos tempos de faculdade, esse era um ritual que pai e filha repetiam quando tinham oportunidade, até que, nos últimos anos, por causa da doença que lhe foi corroendo o corpo, o homem a quem Eva tratava por Papá não conseguiu levantar os braços. A atracção de Eva por Adão nada tinha a ver com uma qualquer semelhança com o pai, não, os dois homens eram diferentes como água para o vinho. A atracção de Eva explica-se pela vontade que Adão mostrou em querer conhecer a jovem, em querer dar-lhe atenção. Sente necessidade de lhe pedir desculpa pela forma como o tratou nos primeiros dias, mas não o faz. Adão sai da casa de banho.

- Ora vamos lá a isto… – ele segura-a pelos braços e beija-a durante muito tempo.

- Hum, estás cheio de vontade!

- Fiquei com vontade de te agarrar desde que passaste por mim, de tarde, junto à piscina. Tens um andar muito engraçado, com o rabo a abanar de um lado para o outro! E a tua mãe também não está nada mal. Vê-se bem a quem tu sais… – o sorriso trocista é indescritível…

- Ei! – Eva sente vontade de rir, mas finge má cara por uns momentos, uns segundos apenas, não resiste e solta uma gargalhada. Por momentos, riem-se juntos, quase abraçados. Pouco depois olham-se, em silêncio, como fizeram várias vezes, nas noites anteriores. Adão tem vontade de dizer que a ama e Eva tem vontade de o ouvir e de o repetir. Mas nenhum dos dois toma esse passo, optam antes por se despir e por se entregarem, mais uma vez, ao corpo um do outro. Nesse momento, Eva vira-se de costas para Adão. Ele encosta-se a ela, a barriga junto às costas, a cara na nuca, o pénis nas nádegas. Penetra-a. Eva não consegue deixar de estremecer. Adão passa-lhe o braço direito por baixo da cabeça, ficando a servir-lhe de almofada e a usar essa posição como base de apoio. Ele faz força para a frente, ela trinca-lhe o antebraço. Adão passa-lhe o braço esquerdo por cima da anca, a mão esquerda desce-lhe pelos pêlos e acaricia-a. Ele faz força para a frente, ela beija-lhe o antebraço. E prosseguem, ele a fazer força para a frente, uma e outra vez e outra vez e outra vez, primeiro devagar, depois com um vigor crescente, enquanto lhe acaricia os seios com a mão direita e o clítoris com a mão esquerda e lhe beija a nuca, o pescoço, os ombros, ela a sentir o corpo quente dele encostado ao seu, o braço esquerdo por cima do braço dele, a mão esquerda a puxá-lo pelas nádegas, guiando-o de encontro a si, o braço direito paralelo ao dele, a mão direita sobre a mão dele, enquanto ele se puxa para a frente e depois para trás e depois para a frente outra vez, até ao clímax final, ela arrebatada e ele embriagado pela sensação de poder. Abrandam progressivamente a pressão um sobre o outro, suados, quentes de encontro um ao outro, ele ainda dentro dela, em volta dela, num abraço de serpente.

Ficam assim, durante um tempo, até que ela se desprende dele e se volta na cama, o nariz de encontro ao dele. Eva olha-o nos olhos, Adão olha-a nos olhos, e assim ficam, sem saber o que dizer, sem saber se devem dizer alguma coisa, até que Eva o beija, num simples tocar de lábios, e lhe diz:

- Chamo-me Diana.

- Eu sou o Júlio.

É a última noite das férias, amanhã será, obviamente, o último dia. Adormecem, abraçados.

Acordam de madrugada. Tomam banho juntos e aí fazem amor uma última vez. Depois, ela veste-se e sai, volta para o quarto onde a mãe dorme sem sobressaltos, ele deita-se, nu, adormece sozinho.

4 comentários:

polegar disse...

a minha parte romântico-prática começa a exigir uma troca de números de telefone.
claro que a parte literária exige que uma relação deste género não tenha cabimento no mundo prático da realidade...

ou não... ou não...

o que sei é que quero que este conto nunca acabe. páginas eternas.

escreve-nos um livro. dos pesados, mal jeitosos na praia, mas envolventes. este é só o capítulo um...

Anónimo disse...

Férias repletas de sentimentos, luxúria e as eternas dúvidas, tal e qual como a vida em si. Continua. BJ!

O Estranho disse...

Meninas, como já devem ter percebido, já acabou tudo. E como já tinha dito ninguém vai gostar...
Beijinhos

pinky disse...

eléeee caliete caliente! vou já de seguida lêr o fim! isto é q tu saiste um escritor de contos eróticos heimmmmm sim sr! andas inspirado hihihihihih