Conto em Cabo Verde - parte III
Adão acorda. Hoje é Sábado, este é já o terceiro dia que passa em Cabo Verde. Ontem pôde confirmar o que o guia disse no dia da chegada, o tempo custa muito a passar. São sete da manhã e já se sente o calor pelas cortinas fechadas. A luz que paira lá fora aquece, chega mesmo a queimar, apesar de filtrada pelos vidros. Do outro lado, o lado de fora do conforto, do ar-condicionado, do mini-bar e da cama desfeita, há um jardineiro de areia. A água é o bem mais precioso da ilha e mesmo a da torneira, não potável como já tínhamos visto, é poupada, não tanto pela (im)possível escassez do mar, mas talvez mais pelo simbolismo de não desperdiçar água. O jardineiro alisa e organiza a areia que o vento empurrou durante a noite e só depois se dirige aos pequenos canteiros espalhados pelos jardins amarelos do hotel. Adão vem à janela, sente o vento na cara, no corpo, nas cortinas que esvoaçam quarto adentro e cerra os olhos, ainda mal habituados ao sol. Leva a mão à testa, para conseguir ver melhor, e o jardineiro, vendo nisto um cumprimento, solta um olá. Adão acena-lhe e baixa a cabeça numa vénia. Sorriem um para o outro. Depois, cada um prossegue, o cabo-verdiano retoma o que estava a fazer, a ajeitar areia e a regar cactos e palmeiras e outras plantas que são o único verde do hotel, e o turista olha para o céu, à procura de nuvens, por pequenas que sejam, para que o dia seja suportável. Volta para o quarto. Fecha a janela. Eva sai para a varanda. A mãe dorme ainda, pesadamente, os comprimidos ajudam. Debruça-se, casualmente, sobre o parapeito, olha para um lado, depois olha para o lado do quarto de Adão, ninguém, olha em frente, o jardineiro diz-lhe olá e ela retribui-lhe com um bom-dia. Senta-se na varanda, em biquini, virada para o sol, coloca os óculos de sol, liga o leitor de mp3 e fecha os olhos, à espera. A mãe só acorda daí a uma hora ou duas. Adão volta a sair para a varanda, traz um livro na mão, despe a t-shirt que lhe serviu de pijama e senta-se, a ler. O cabo-verdiano sorri para os turistas. Nenhum dos dois se apercebe.
…
Na praia, o vento no corpo e as nuvens no céu arrefecem Adão. Está esticado numa espreguiçadeira, de barriga para cima, mãos atrás da cabeça a servir de almofada. A cabeça, ou melhor, o pensamento está na água. Sente calor, sim, tem vontade de ir para a água, sem dúvida, mas o tempo custa muito a passar. A preguiça é muita, a vontade de a combater é nula. Foi isto que Luís quis dizer no outro dia, mas o respeito – e a necessidade de emprego – forçou o eufemismo. Adão decide-se. Levanta-se, tira os óculos de sol e vira-se para o mar. Desafia o pai para ir dar um mergulho.
Eva, sem saber, está alguns metros afastada de Adão. Esqueceu-se, ou fez por se esquecer, do protector nessa manhã, na varanda. Tem o corpo vermelho, os lábios estalados e secos e a cabeça lateja. A mãe obrigou-a a ficar à sombra, mesmo junto ao bar da praia. A música irrita-a, a mãe irrita-a, a dor irrita-a. Pede à mãe a chave do quarto.
Adão sai do mar, vai para a toalha, os pais já foram tomar banho para almoçar, ele vai agora. Vê Eva ao longe, sozinha. Sai disparado na direcção dela.
…
- Olá, então tudo bem?
Eva quase não o reconhece. Pára, vira-se na direcção dele e responde:
- Sim, está tudo óptimo como se pode ver pela minha cara!
- Eh pá, esse look de camarão… Ui, isso normalmente é mais coisa de ingleses! – Adão sorri e leva uma mão à nuca.
- Olha que simpático… – Eva está sem paciência, recomeça a andar. Adão revira os olhos e recomeça a andar também. Vão a uma pequena distância um do outro, como já tínhamos visto, os respectivos quartos são próximos. Eva não percebe isso e dispara:
- Queres alguma coisa?
- Muitas coisas, para dizer a verdade, mas a que te referes em concreto? – agora é Adão quem começa a perder a paciência.
- Que vens fazer atrás de mim? – empina-se Eva.
- O quê?! Olha, quem não sabe o que tu queres sou eu, mas, pelo que percebi, o teu quarto fica à beira do meu…
- À beira? – Eva sorri pela primeira vez no dia – És do Porto, não és?
- Oh bolas… O teu quarto é AO PÉ do meu e sim, sou do Porto… Sim, já sei, nós dizemos coisas de maneira diferente, mas não, antes que perguntes, não digo cimbalino e, praticamente, já ninguém no Porto diz isso! – Adão não queria soar brusco, mas a verdade é que roçou a aspereza no discurso.
Eva vira-lhe as costas. Ele leva a mão à testa. Só se voltam a enfrentar quando estão a entrar nos quartos. Adão olha-a fixamente, diz que lamenta com o olhar. Eva devolve-lhe o olhar por uns segundos. É a primeira a entrar no quarto.
…
Anoitece, finalmente. A tarde passou muito lenta, muito mais lenta do que a manhã ou o dia anterior inteiro. Custou tanto a passar que Adão acabou um livro e está já a começar outro. Custou tanto, tanto que nem vale a pena dar a menor descrição do que aconteceu. Mas agora vai ser tudo mais rápido. Já jantou, já esteve no bar com os pais, já viu o espectáculo nocturno do hotel, já vestiu a espécie de pijama que trouxe e já está sentado na cama a ler. É quase meia-noite e Adão já está de rastos. Alguém bate à porta, levemente. Adão revira os olhos e pensa “O que é que ele quer agora?”, presumindo que “ele” é o pai. Abre a porta.
Eva sorri-lhe.
3 comentários:
aieeeeeeeeee, quanto tempo mais pelo próximo capítulo.
gosto, tanto. tanto, que tou danada de não chegar ao fim e, no entanto, o sofrimento é tão booom :)
Olá! O capítulo seguinte do meu primeiro romance de alcova já aí está!;)
hihihihihi ora vem cá á minha beira....e deixa que te diga que isto está cada vez melhor!
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