19/11/2007

(Título de conto ainda por dar - parte quatro)

Inês voltou ao “Refúgio” no dia seguinte. E no outro. E no outro. E no outro. Durante duas semanas, voltou lá e sentou-se sempre na mesma mesa, na mesma cadeira, na mesma posição. Luís vivia num misto de confusão e deslumbramento. Cada vez que olhava para os olhos dela, via aquele brilho estranho que o deixava imerso em pensamentos. Quem era ela? Do que gostava ela? De onde vinha? O que queria ela dali? Esta última pergunta atormentava-o de tal modo que chegou a pedir a um colega que a atendesse. Inês fingia não reparar, ou não reparava mesmo, limitava-se a pedir o invariável chá, tomava-o, pagava-o e saía. Chegou a procurar o contacto com Luís, mas nem sempre conseguia. Despedia-se sempre de Rogério, que lhe respondia com um sorriso, um acenar de cabeça e um olhar de soslaio para o empregado e amigo.

- Olha lá, tu és doido, estúpido ou as duas coisas? – Rogério estava claramente zangado.

- Que foi que eu fiz agora? – Luís estava atónito.

- Tu? Nada! Por isso mesmo! A rapariga vem cá e tu nem um olá lhe dizes?! Idiota! É óbvio que queres falar com ela e foges? Escondes-te?! Imaginava-te com mais garra, Luís!

- Não te metas nisso, está bem? Além do mais, nem sabes do que falas…

- Não sei do que falo? Pois tu não sabes o que fazes, não pareces saber viver!

Luís virou-se, saiu e bateu com a porta da sala dos empregados. Rogério ficou sozinho diante de um espelho e lamentou que o amigo não tivesse percebido o abanão que lhe tentou dar. O Sr. Ramiro, que ia a passar na rua quando Luís saiu do café, admirou-se com o ar do jovem, vendo-o lançar-se sem abrigo pela chuva, avançando furiosamente rua abaixo. Espreitou pela janela do “Refúgio” a tentar perceber o que se passava, mas só viu cadeiras empilhadas em mesas. Franziu um sobrolho e voltou a casa.

Luís atirou uma pequena bola de borracha contra a parede, apanhou-a no ar quando ela ressaltou e voltou a atirar. O tempo passou. Luís continuou com esse ritual noite dentro. Os seus olhos pareciam mais vazios do que nunca e quase não seguiam o movimento da bola. O olhar dele estava noutro lado, na sala dos empregados, e revia a conversa com Rogério. Areias observava tudo placidamente como quem sabe que não pode ajudar. Luís ardia de fúria por dentro, não contra Rogério, mas contra si mesmo. As palavras do patrão e amigo foram curtas, mas certeiras demais.

Inês voltou no dia seguinte. Luís viu-a entrar quando se preparava para atender um cliente numa mesa, mas levantou a cabeça para Rogério, que, com o olhar, lhe disse para ir em frente. Fez sinal a um colega para ir atender o cliente que já lhe começara a fazer o pedido e avançou para a mesa 11. Tremia como varas verdes.

- Olá, tudo bem? Então que sabor de chá vais querer hoje? – Luís sorriu, tentando mostrar calma.

- Olá, Luís! Finalmente! Andava a querer perguntar-te pelo Areias. Será que um dia o posso ver? Gostei muito do bichinho…

- Hum… Sim, claro, quando quiseres empresto-te as chaves para lá ires…

- Pois… Obrigado, mas acho que não me sinto muito à vontade de entrar em casa de um desconhecido… Olha, desculpa, mas temos de combinar isso noutro dia, tenho alguma pressa, preciso de apanhar o comboio. Trazes-me um chá verde, por favor?

- Já de seguida!

Luís virou-se e quase correu para o balcão, por cima do qual só não saltou porque Rogério, à escuta a ver o que amigo dizia, começou logo a preparar tudo. Em menos de dois minutos, já Inês soprava uma chávena de chá fumegante.

- Quando ela vier pagar, diz que ofereces… – Rogério inclinou-se sobre o balcão e sussurrou ao ouvido do amigo.

- Não, já da outra vez foi isso, deixa-me pensar...

- Olha, ela vem aí! – Rogério voltou-se à pressa e começou a passar revista às prateleiras de copos à sua frente, achando que estava a disfarçar bem… Inês achou a cena um pouco estranha, mas não pensou muito nisso.

- Queria a conta, por favor. Amanhã passo aqui outra vez e combinamos aquilo de ver o Areias, pode ser? – Inês estendeu-lhe o dinheiro do chá.

- Sim, claro. Nós estamos abertos das 7 da manhã às 7 da tarde.

- Eu sei, Luís, já cá venho há alguns dias… – a jovem sorriu-lhe e Rogério levou a mão à boca, abafando uma gargalhada. Luís limitou-se a engolir em seco – Então até amanhã. Adeus, Rogério.

- Adeus, adeus, até amanhã – Rogério encarou Inês ainda a fingir que não estava a ouvir nada. Luís ficou quieto e mudo, de olhos fechados, a pensar no embaraço em que acabara de se meter. Quando ouviu a porta fechar, olhou para Rogério que se ria sem pudor.

- Estúpido… – rosnou o empregado.

- Esquece, ao menos já tens um encontro… – Rogério afastou-se a assobiar, a estalar os dedos e a andar como se dançasse o bolero. Nem viu o sorriso rasgado de Luís.

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