Amor num dois cavalos
Deito-me, com relutância. Apago a luz, puxo os lençóis, ajeito a almofada e fico à espera. A cama parece-me enorme, um deserto imenso de algodão, linho e molas rangentes. Rapidamente, os meus olhos habituam-se à escuridão e a fraca luz lançada pelos números do despertador ilumina-me o quarto com uma ténue neblina verde. Viro-me, deitado a um canto do deserto de algodão e fito a outra ponta da cama. Estendo um braço, mas só com dificuldade, com a ponta dos dedos, consigo tocar na madeira, áspera, por lixar desde que a cortei por não gostar do estilo. Parece-me ainda maior, este deserto, por não o conseguir alcançar de ponta a ponta. Viro-me de barriga para cima, a fitar o tecto, como tantas vezes faço. Oiço passos, o soalho que range aqui mesmo ao lado, madeira que estala com o arrefecimento da noite, talvez, mas não me preocupa. Começo a pestanejar, devagar, arrastado cada vez mais para o outro lado, para o subconsciente.
Acordo, devagar, sei que estou a sonhar. Estou no banco de trás de um carro, a olhar para o tejadilho, enquanto nos afastamos do mar. A lua cheia passa, ou melhor, arrasta-se pelo vidro, rodeada de estrelas. No rádio, cantam os The Killers, o “Sam's Town” pode ser deixado em modo repetição durante horas, não me importo. Conheço o álbum de cor, não a letra, mas os sons, as notas que se seguem umas às outras num jogo harmonioso da apanhada. Alguém fala, nos bancos da frente, mas não é para mim ou então não exigem resposta. Cansado, como se não conseguisse sequer encher o peito para inspirar, deixo-me cair calmamente sobre o colo de alguém ao meu lado. Ela afaga-me a cabeça, passando os dedos pelo meu cabelo. Balbucio que devia ser ao contrário, ela é que acabou de trabalhar e devia ser eu a afagar-lhe os cabelos loiritos, mas não me mexo um centímetro que seja. Sorri e sussurra-me que não tem importância, com uma voz quase rouca pelos cigarros que devora, uns atrás dos outros. Debruça-se sobre mim e beija-me a testa primeiro, depois a boca. Volto a sentar-me direito e levanto um braço, ofereço-lhe o meu peito. A sua cabeça loira move-se devagar com a minha respiração e eu sinto a dela cada vez mais fraca, relaxada. Coloco-lhe uma mão na barriga, directamente na pele, por baixo da camisola, e afago-lhe o umbigo. Adormece. Eu sigo-a, pouco depois.
Acordo depressa, desta vez, já não estou a sonhar. Ergo-me e admiro o deserto de algodão, já não me parece tão grande. Com o sono ainda por sacudir, vejo a forma dela gravada a meu lado, talvez tenha ido à casa de banho, talvez esteja a fumar, sei que saiu há pouco, a cama ainda está quente e o meu braço ainda adormecido. Volto a deitar-me. Amanhã, tudo volta ao normal.
2 comentários:
lindooooooooooooooooooooooooo! e que grande flash back que me fizeste ter!
e tu, meu grande doido, onde andas tu? ainda perdido nas montanhas de algodão?
suspiro... sorriso...
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