Para onde é o caminho?
Para onde é o caminho? O vento sopra de encontro à minha pele, a chuva escorre-me pelo cabelo, usando o meu corpo como o leito de um rio. Sim, estou nu, à chuva. Sinto a lama entre os dedos dos pés enquanto me afundo, aos poucos, por entre a terra do meu jardim. Tenho os olhos fechados há horas e deixo-me estar. Baixo o rosto e tento ouvir, distinguir as gotas que caem: as mais pesadas batem no chão e explodem em mil pequenas gotas; as mais pequenas entram directamente no solo, à procura de sementes para fecundar. Sinto a água entrar-me pela pele e fundir-se comigo. Ainda não sei o caminho. Levanto a cabeça e inspiro com força; chegam-me os cheiros de rosas, de laranjas, de relva, do meu próprio corpo, da lama debaixo dos meus pés. Sinto o cheiro que a água não tem. Ainda não sei o caminho. Abro os olhos, por fim. A luz, ténue, mas presente, fere-me a visão, mas não deixo de olhar em volta. O dia está cinzento, o céu coberto de nuvens, a chuva dança com o vento no ar, avançando em rodopios e envolvendo tudo em que toca. Olho em frente. Ao longe, um gato esconde-se da tempestade debaixo de um abrigo para a lenha. Também ele fita a chuva e ouve o vento. Ajoelho-me de encontro à lama e enterro as mãos até aos pulsos, agarrando a terra pelos cabelos e puxando-a até mim. Espalho-a pelo corpo, as pernas, os braços, o tronco, o sexo e a cara. Castanho, escuro e húmido, da cabeça aos pés. O gato ainda lá está, debaixo do abrigo, mas já não está só. Um outro gato, ou uma gata – prefiro acreditar – enrosca-se agora no primeiro. Sei qual é o caminho. O meu corpo está coberto com a Terra, já não estou nu. Ao perto, pareceria um louco que já há muito tempo desistiu de tentar passar despercebido. Ao longe, sou apenas um monte de terra no meio de um jardim. E é para lá que começo a correr, para longe, porque é lá que está o caminho. Salto muros, atravesso campos, firo os pés nas silvas, nos seixos, no chão, mas é isso que quero, correr para longe, como o meu pai corre todos os dias. Ninguém me vê quando passo, estou protegido, camuflado, castanho, escuro e húmido, da cabeça aos pés. E vou a caminho.
E um dia talvez volte encarnado num gato.
6 comentários:
que lindooooooo! fiquem sem palavras!
deixo uma só! PARABÉNS! que já é dia ;) um dias repleto de sorrisos e felicidade. beijos do tamanho do mundo
mo quando escreves assim...
e parabéns! ;)
*amo quando escreves assim...
..a avaliar pelo olho..já é quase gato...
Olá. Eh pá, pelo comentário da pinky, vejo que já cá não vinha há um bom bocado!:P
Bem, miss pinky, muito obrigado, como de resto já tive ocasião de agradecer por diversas vezes...;)
Miss polegar, muito obrigado também e fico contente que ame quando escrevo assim. Pena que o espírito nem sempre dê para a loucura metafórica!:D
E mister/miss anónimo, o olho não é bem de gato, mas tem um efeito subliminar hipnótico! quem se deixa apanhar é obrigado a cá voltar e a comprar latas de atum.
Compram latas de atum? Já sabem porque é...
Gostei.
beijos ♫
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