Conto em Cabo Verde - parte VI
- Olá a todos, eu sou o Edson e sou o vosso guia na excursão à ilha. Vamos partir já, só tamos à espera de duas pessoas que tão ali na recepção.
Adão sabe de quem se trata. Já está sentado no banco de trás da camioneta há uns bons quinze minutos. Foi dos primeiros a entrar e reconheceu quase toda a gente que chegou no mesmo dia que ele. Faltam duas pessoas, Eva e a mãe desta. “Nem sequer penses nela, ignora-a, não fales com ela, não olhes para ela, não respires sequer na direcção dela. Ignora-a. Ela é doida, só pode, é doida!” Adão abre a janela para afastar o calor. “Ignora-a, esquece-a, foi só uma queca. Ok, duas.” Está absolutamente decidido a ignorar Eva, como se pode ver pelos seus pensamentos. O problema é que não está a contar com a roupa de Eva desse dia. Olha na direcção da entrada do hotel no preciso momento em que Eva e a mãe saem. O queixo cai-lhe. Eva traz uma saia branca quase transparente, revelando, por baixo, o biquini preto às bolinhas brancas. Mas é a parte de cima que deixa Adão perdido em imagens das noites anteriores. O top esverdeado à sua frente não é transparente, mas é como se fosse: Eva não vestiu a parte de cima do biquini e o vento empurra o tecido fino de encontro ao seu corpo, revelando cada contorno, cada saliência. Apercebendo-se da própria figura, a boca aberta, a cara encostada ao vidro, Adão pigarreia e olha em frente. Não o admitindo, sente um ligeiro ciúme em relação aos outros homens que também se aperceberam na roupa de Eva. “Tarados! Cabrões! E com as mulheres ao lado! Eu ao menos estou solteiro!”. As duas mulheres entram pela porta de trás da camioneta, passando mesmo em frente a Adão e à família.
- Bom dia, bom dia! – começa a mãe de Eva – Desculpem, estávamos a pedir água na recepção e nem reparamos no tempo a passar!
Eva olha de soslaio para Adão, que repara no olhar fugidio e fica a observar o movimento das ancas dela à medida que procura lugar para se sentar. Vão separados por cinco, seis lugares.
- Bom, já tamos todos, vamos partir. Nós agora vamos pra Santa Maria, a cidade mais importante e maior do Sal. Fica aqui pertinho, quase dá pra ir a pé, mas não vale a pena levantarem-se. – Adão ouve tudo com meio ouvido, todos os sentidos virados para o banco de Eva. Quase lhe sente o cheiro. Nem se apercebe do tempo passar. – Como podem ver, as cidades no Sal são simples, as casas maiores normalmente são de emigrantes, maioria italianos.
- Ali podem ver distribuição de água potável. A água da torneira não se pode beber, já devem saber disso. É que aqui já não chove a sério… – Adão interrompe, no seu cérebro, o discurso de Edson. Já sabe que na ilha já não chove a sério há mais de quinze anos, só chuvisca de longe a longe. E, por momentos, esquece também Eva. Agora só consegue reparar nas famílias diante de si, nos garrafões, nas latas, nos alguidares. Ao longe, à sombra de uma árvore, sentada ao lado de um cão com diversas peladas a descobrir-lhe o corpo, vê uma criança a chorar. A esta distância não consegue percebe se se trata de um rapaz ou de uma rapariga, mas passa-lhe pela cabeça que a criança chora, não por causa de desgraça ou da necessidade, mas porque queria estar ao lado (nem à beira, nem ao pé…) da mãe e dos irmãos mais velhos, entretidos na fila, enquanto aguardam vez para encherem o máximo de recipientes que conseguirem depois carregar. Passa-lhe pela cabeça que devia ter pedido uma garrafa de água extra na recepção, seria fácil, pela janela da camioneta, dar essa garrafa a alguém. A camioneta prossegue, mais umas voltas, umas curvas e Edson recomeça – Bom, agora vamos pra Norte, pra Espargos, perto do aeroporto.
Espargos chama-se assim porque italianos chegaram lá e começaram a plantar espargos. Daí o nome. Depois vamos pra Palmeira, a Oeste. É na Palmeira que se faz o tratamento da água do mar e também lá fica a central eléctrica da ilha. Vamos só passar lá pra ir pra Buracona. O caminho aí nem é terra batida, é pedra batida, vamos dar muitos saltos! – o sorriso de Edson leva os turistas a pensar que se trata de uma brincadeira. Pouco mais de meia hora depois, já ninguém se ri, simplesmente seguram-se o melhor que podem – Eu avisei! – conclui Edson, ainda a sorrir.
A Buracona fica encostada ao mar. De um lado, o deserto, pedras, terra, um dos poucos montes da ilha, do outro, simplesmente, o mar. O nome vem de um buraco no meio das rochas, um poço natural que o mar e a erosão trataram de escavar.
Até à água, segundo Edson, são cerca de nove metros, até ao fundo são cerca de vinte e cinco. É habitual ver mergulhadores a explorarem a gruta que dá acesso ao mar. É um percurso que lhes demora quinze minutos, por isso, obviamente só mesmo com botijas de oxigénio se pode lá ir. Mesmo ao lado, há uma piscina, também ela natural. Edson convida os turistas a mergulharem, mas com cuidado, há partes bastante fundas e que normalmente são usadas para aqueles que querem mergulhar das rochas mais altas. Adão apressa-se a despir-se até aos calções de praia, deixando-se levar pela beleza do local e pelo calor que se faz sentir, apesar do vento. Atira-se, sem hesitação. Já lá dentro, vê Eva, a nadar a uns metros de si. Fecha os olhos a imaginá-la a vestir o biquini às escondidas. Alguns minutos depois, o guia chama os turistas para se secarem porque têm de partir para Este, vão atravessar o deserto e ver a Miragem.
Pó. Muito pó. Há várias camionetas carregadas de turistas a atravessar o deserto. Todos os motoristas tentam ultrapassar os demais para fugir à nuvem de areia que as rodas levantam. É um autêntico bailado. As camionetas param quase em uníssono, no meio de nada. Edson faz-se ouvir:
- Como podem ver, tamos no meio do deserto. Aqui só há areia. Esta zona é conhecida como Terra Boa, porque antes fazia-se agricultura. Toda a gente da ilha tinha campo próprio, mas quando a água acabou, foi tudo embora. Agora olhem para trás. – todos se viraram para Norte – Tão a ver aquele monte ali e a árvore? Não tem nada lá, mas parece que tão metidas na água! – As máquinas desatam a disparar, ainda que incertas de que conseguirem captar a ilusão de óptica. Adão fotografa também e fica por uns instantes a admirar o vazio à sua volta. Então, fecha os olhos e tenta imaginar como seria a ilha há duas, há três décadas, coberta de verde, amarelo e vermelho de uma ponta à outra. Quando volta a abrir os olhos, Eva está de frente para ele, a observá-lo e, como que se lhe lesse os pensamentos, sorri-lhe.
Já na camioneta, seguem para Este, para Pedra Lume, uma cidade que quase não o é, já que as casas se contam pelos dedos de uma mão. Edson é daqui, conta, com um brilho nos olhos. A cidade só serve para a distribuição de sal para o arquipélago de Cabo Verde. É aqui que fica a cratera do vulcão que criou a ilha do Sal, que passou a ser usada como salina para a extracção do sal. É já depois do almoço, oferecido por um restaurante na praia, a cinco metros do mar, que atravessam o túnel, escavado à mão por escravos cabo-verdianos há séculos atrás, que dá acesso à cratera. Edson aponta para os postes velhos que serviam de base para o teleférico que, há muitos anos, facilitava o transporte do sal até às refinarias. Deixou de se usar porque agora só se extrai sal quando alguma ilha do arquipélago encomenda.
O grupo avança na direcção do centro da cratera. Ao longe, vê-se uma estreita ponte de areia que separa dois pequenos lagos, um de água azul, directa do mar, e outro de água cor-de-rosa, tonalidade dada pelo sal que se forma no fundo.
É esta água que Edson descreve, orgulhosamente, como sendo 25 vezes mais salgada do que a do mar, tão salgada que é fácil flutuar livremente nela, até dá para ler o jornal. Diversos turistas experimentam essa sensação de flutuar livremente, sem o menor esforço de se manterem à superfície da água. O único inconveniente é que esta água, ao mínimo arranhão que se possa ter no corpo, arde como se fosse álcool e, mesmo sem arranhões, torna-se irritante na pele e é por isso que, por um preço simbólico, é possível tomar banho em chuveiros construídos de propósito para esse efeito. Adão sorri quando ouve “preço simbólico”, mas sua expressão assume imediatamente um ar mais sério: lembra-se que o “preço simbólico” é mais um meio de subsistência. Apesar de pele que começa a arder e a tornar-se branca de sal, Adão afasta-se um pouco do restante grupo e dirige-se a um monte branco, de sal, claro. Tem curiosidade em tocar no sal bruto, mas as pontas dos dedos raspam imediatamente na dureza do monte; o sal parece petrificado.
O caminho de volta para o hotel é estranho. Seguem sempre junto ao mar. Passam por outras cidades, Feijoal, por exemplo, mas são cidades minúsculas, com casas por acabar e miúdos a brincar na rua. Na camioneta ninguém fala, nem sequer o guia, limitam-se a olhar pelas janelas e a admirar tudo, desde a barbearia “Benfica”, à mercearia da esquina, sem placa a indicar o nome. Cerca de meia hora depois, chegam ao hotel. Edson despede-se com um sorriso, espera que todos tenham gostado da excursão.
Adão, já no quarto, acaba de se vestir, depois de tomar banho. Bate à porta dos pais e saem os três, para jantar. Vêem o espectáculo dessa noite, cómico, e depois recolhem aos quartos.
É já meia-noite quando alguém bate à porta de Adão. Com um sorriso, este abre a porta e confronta Eva.
- Tive esperanças que trouxesses esse top... – sussurra ele.
- Eu calculei, reparei na tua cara quando me viste. – brinca ela.
- Pena não teres trazido a saia. Mas isso também é tudo para tirar, por isso… – nesta altura, já Adão aperta Eva contra o seu corpo.
8 comentários:
Ups... Por esquecimento, não criei uma nota de tradutor (que profissionalismo...) a dizer que, de cima para baixo, a fotografia 1 foi tirada por dream locations property, a fotografia 2 foi tirada por lino57 e a fotografia 3 foi tirada por adrine77. Estão todas disponíveis no GoogleEarth, mas mais vale prevenir do que ser processado por causa dos direitos de autor... As restantes são minhas, mas, a menos que enlouqueça, não me vou processar a mim próprio.
muito obrigada pelas informações adicionais.
comentário:
1) o Adão é um MENINO! :P
2) descrições maravilhosas :)
3) (citando a Eva mas com outro sentido) quero mais e depressa!
Não se deve nunca recusar o pedido de uma mulher... aguardamos! bj! Superas-te a cada capítulo ;)
Polegar: MENINO?!?!?!?! Ora essa, o gajo tem uma mulher bonita a entrar-lhe quarto dentro todas as noitas e é menino? Bah, lisboetas! ;)
Just a girl: nao supero nada, o que ainda ninguém se apercebeu é que o olho no topo do blog (que por acaso é meu...) tem propriedades hipnóticas! Na verdade, tudo o que escrevo são códigos binários, tipo 0101001100101010, só que vocês só conseguem ver o que querem ler...:P
Medo...muito medo...Quero "ver" mais ! Rápido e bom..de preferência ;) Hiptoniza-nos de novo... :P
Eu vou ali imprimir o conto e volto já, com opiniao sobre o dito.
.j.
que ricas férias q o adão teve! sim sr! com umas dessas quem se quer vir embora hehehehheehheh
be waitting 4 more.
um dia aparece, tenho outro romance de cordel para te contar hahahahah só rir!
UFA!!!!! As meninas puseram-me uma maldição: quanto mais dizem que querem ler mais e depressa, mais problemas me aparecem no computador. Primeiro foi o disco que foi ao ar, depois foi a internet com avarias durante uma semana!! A ver se nos próximos dias ponho mais partes. Aviso: não vão gostar do fim da história...
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