22/05/2007

Conto em Cabo Verde - parte V

Adão acorda, nu, em cima de uma cama quase sem lençóis. Não fosse o preservativo – que nem se lembra de ter posto, mas que, felizmente, ali está – tombado ao lado da cama, teria a certeza que a noite anterior tinha sido apenas um sonho. Um sonho confuso, absolutamente estranho, mas “agradável, impecável, digno de contar”, pensa ele a sorrir enquanto coça uma virilha. Levanta-se e apressa-se a ir à casa de banho, a bexiga já não suporta mais demoras por disparates. Depois volta para junto da cama, apanha o preservativo e, como é óbvio e desnecessário dizer, deita-o ao lixo. Olha-se ao espelho. Tem ainda os olhos vermelhos do sono, está despenteado e precisa de fazer a barba. Começa por esta última necessidade, depois lava os dentes e enfia-se no chuveiro. Eva acorda nesse instante.

A mãe ainda dorme pesadamente na cama ao lado. Nem estremeceu nessa noite, quando Eva chegou e se despiu para tomar banho, lavando-se com muito mais empenho do que o necessário, por algum motivo queria tirar o cheiro de Adão do próprio corpo. Levanta-se, abre ligeiramente as cortinas e, já na casa de banho, debruça-se sobre o lavatório para lavar a cara. Quando o cabelo lhe cai sobre o rosto, sente um misto de incredulidade e de espanto. O cabelo ficara com o cheiro da noite anterior. Apressa-se a entrar no chuveiro, lava a cabeça ainda com mais empenho do que umas horas antes.

Adão já está fora do quarto, com os pais ao lado. Caminham na direcção do restaurante do hotel, para o pequeno-almoço. Embora não o admita, embora tente nem pensar nisso, leva a cabeça levantada, como se procurasse alguém. E, claro, está mesmo à procura de alguém. Mas não vai ter sorte, ou, pelo menos, não a sorte que queria ter. A mãe de Eva – que até poderia ter nome, não fosse o facto de ser absolutamente irrelevante para a história e de não haver nomes bíblicos anteriores a Adão e Eva – só agora acorda, zonza com o efeito dos medicamentos, tão zonza que até lhe parece que a filha está às voltas com o cabelo, penteia, despenteia, volta a pentear, mas isso é um disparate, Eva “nunca foi tão vaidosa ao ponto de vir de férias e estar tanto tempo a tratar do cabelo”, pensa ela, espreguiçando-se na cama para sacudir o sono.

Quando Eva chega ao restaurante, já Adão vem a sair. As duas famílias cumprimentam-se, um simples “bom-dia” e o sorriso da praxe, nada de muito íntimo, nada de muito caloroso, apenas a cordialidade suficiente para que nenhuma das partes se sinta ofendida. Ao passarem um pelo outro, Adão não resiste e “escorrega” na direcção de Eva, num movimento tão subtil que mais parece que estavam a interpretar o “Lago dos Cisnes”… Mas sem os tutus. Eva sente-se estúpida por corar, ainda que ligeiramente, Adão sente-se grandioso, ainda que estupidamente.

Hoje é domingo, não há nada para fazer. A única diferença em relação aos outros dias é que hoje realmente é suposto não se fazer nada. Ainda assim, Adão sente um bichinho a começar a roer. Nunca foi pessoa de estar muito tempo parada, já desde criança. Naquela altura, quando era pequeno e inocente, não havia crianças hiper-activas; havia crianças sossegadas e crianças irrequietas. Adão caía na última categoria. Assim, passou o dia a nadar, primeiro no mar, depois na piscina do hotel, cheio de uma energia que vinha não sabia bem de onde. Talvez a recordação da noite anterior o deixasse excitado, em todos os sentidos. Sem dúvida que a expectativa de que a noite anterior se pudesse repetir o deixava excitado, em todos os sentidos.

A noite chegou. O jantar passou. Adão está no quarto, parado há meia hora na mesma página do livro. Nos seus pensamentos, as personagens misturam-se com as imagens do corpo de Eva. Os seus dedos esfregam o papel das folhas como se percorressem a pele de Eva. A tinta preta das letras do livro enrolam-se como os pêlos de Eva. Se mudasse de página, o som das folhas fariam o mesmo som que os gemidos de Eva. Eva. É tudo o que ele vê nesse momento, quando leva, calmamente, a mão para dentro dos calções e se começa a tocar. É, no entanto, interrompido por um bater na porta. De um salto, está de pé, nem se deu ao trabalho de procurar o marcador de páginas, atirou o livro para cima da mesa e abriu a porta. Era o pai.

- Já viste? A mouraria empatou!

Adão sente-se desconsolado.

- Ah sim? – tentou disfarçar – E o jogo valeu alguma coisa?

- Podes ver logo, vai dar na RTP África. Mas vê lá se te deitas cedo, que amanhã vamos à excursão, lembras-te?

- Sim, sim, já sei. Não te preocupes… – Adão nunca teve paciência para estas preocupações com horas, porque na verdade nunca chegava atrasado ao que quer que fosse.

- Até amanhã.

- Até amanhã. – Adão fecha a porta devagar. Volta a pegar no livro e ainda não tinham passado cinco minutos, voltam a bater à porta – Outra vez? Chato…

Era Eva.

Desta vez, não falaram, não houve espanto, não houve surpresa, não houve hesitação. Adão agarrou Eva e puxou-a para dentro do quarto, sentindo-se uma espécie de Neandertal dos tempos modernos. Eva não esboçou ponta de resistência. Deixou-se levar, cedeu a todas as vontades do corpo, o seu e o dele. Se ontem era Adão que se sentia arder com desejo, hoje ardem os dois, numa pira de suor, beijos e fricção. E quando por fim param, com Adão a pensar se as sessões de natação desse dia não o deixaram mais cansado do que pensava, ficam deitados, desta vez de frente um para o outro e os braços e pernas entrelaçados. Hoje olham-se, observam-se. Ele acaba por dizer:

- Amo-te.

Eva fica calada, por um instante, menos de um instante, para dizer a verdade. Levanta-se de repente, sem que Adão reaja por não perceber o que se está a passar, – Que foi?! Onde vais?! – veste-se, – Ei, anda cá! – e sai do quarto. Adão vem à porta, mas a súbita aragem que sente nos genitais lembra-o que está nu.

- É doida… Olha, até deixou aqui as cuecas…

3 comentários:

polegar disse...

algo me diz que o moço meteu o pé na argola... é que nós já percebemos que ela não bate bem da bola... ele é que não... ;)

pinky disse...

não consigo tirar da cabeça a imagem do adão de tutu, a saltitar em piruetas do lago do cisne, sala de jantar a fora hiiihihii e depois de um amo-te de chofre não há-de a eva pisgar-se... é muita excentricidade para um dia só! hhahahahaha

Anónimo disse...

Estranho,não nos deixes neste impasse...dá-lhe com força!
Aguardo.. Impaciente...:D