Conto em Cabo Verde - parte IV
Eva entra, antes mesmo de ser convidada e perante o total assombro de Adão. Este, de olhos arregalados como se acabasse de ver o rosto de um qualquer deus (ou deusa, neste caso), quase não consegue segurar o queixo. Eva acaba de entrar no seu quarto. Adão não consegue acreditar. O espanto passa, aos poucos.
- Hum... Sim? Precisas de alguma coisa? Eu por acaso estava ocupado. - Adão ainda se lembra demasiado bem dessa tarde.
- Ah sim? – Eva pega no livro pousado em cima da cama – “O Cemitério de Pianos”, José Luís Peixoto. Sim, percebo, ocupadíssimo…
- Ei, isso é problema meu, ok? Afinal, que queres? – Adão tira-lhe, com uma calma calculada, o livro da mão e pousa-o na mesinha de cabeceira – Que estás aqui a fazer a estas horas? - Sente-se ridículo e, acima de tudo, velho: em Portugal, meia-noite seria mais ou menos a hora em que começava a escolher um filme para ver noite dentro, mas aqui, Cabo Verde, África, o tempo e a noção que se tem dele é completamente diferente.
- Hum… – Eva hesita, também com uma calma calculada, por breves momentos; olha em volta; senta-se num canto da cama – Falar. Sim, queria falar contigo.
Ao olhar para aquele cabelo castanho claro, para aquela cara ainda demasiado vermelha e, subtilmente (pelo menos assim o pensa), para aquele decote, Adão não consegue deixar de sorrir para dentro e de pensar em diversas outras coisas que incluem a boca sim, mas não propriamente falar. Para tentar disfarçar a cara e, principalmente, os olhos de desejo, vira-se e caminha em direcção a uma garrafa de água, pousada numa mesa ao lado da cama. E é ainda de costas que responde:
- Falar? Pois, pois, se correr tão bem como esta tarde…
- Isso foi diferente!
- Ai sim? E por quê? – de garrafa na mão, faz um gesto a oferecer um copo.
- Não, obrigada. E foi diferente porque eu estava mal disposta e porque apareceu um tipo atrás de mim que eu não conheço de lado nenhum a seguir-m…
- Eu disse-te que não te estava a seguir! – interrompeu Adão – E além disso, se fui eu que te segui, como é que tu é que me vens bater à porta? – o sorriso de lado e a sobrancelha erguida denunciam-lhe uma arrogância momentânea.
- Porque eu reparei nos teus olhos de cãozinho maltratado quando ias a entrar no quarto. – agora é Eva que sorri, percebendo que com esta frase acabou de pisar a arrogância do jovem em frente a ela – E porque não queria que o menino fosse para a cama com peso na consciência.
- O quê?! Olha, já percebi que a tua mãe te faz as vontades todas, isso vê-se à distância. – Adão começou a disparar – Já calculei que os teus pais devem estar separados e por isso é que vocês estão aqui as duas sozinhas. E imagino que a tua mãe anda contigo ao colo para, sei lá, tentar que não te sintas mal com o divórcio, mas eu não tenho nada com is…
- O meu pai morreu.
- O quê?!
- O meu pai morreu. Fez ontem um ano que o meu pai morreu. A minha mãe quis sair de Portugal para não ter de passar pelas missas, pelas recordações, pelo manter das aparências com a família. Não há divórcio nenhum, o meu pai morreu. – Eva ainda estava a falar quando se levantou e se começou a dirigir para a porta. Adão tem, mais uma vez, os olhos arregalados, sem saber onde se meter. Eva leva uma mão ao puxador, Adão agarra-a pela outra.
- Espera! Desculpa. Desculpa, ok? Foi estúpido da minha parte. Foi… Pronto, fui estúpido.
Eva não se vira. Se olhada de longe, pareceria um espantalho, os braços abertos, agarrada a uma porta e agarrada por uma mão. Adão tenta olhá-la nos olhos. Eva enfrenta-o; não chora, mas os olhos brilham.
- Estúpido. – diz simplesmente. Afasta-se da porta, em direcção à janela. Espreita, por momentos, a lua a brilhar – Dás-me água?
- Sim, claro! – Adão apressa-se a encher um copo e aproxima-se de Eva – Toma. – agora, sim, ela chora – Ei, então? Anda, vá, calma... – pousa o copo, abraça-a, diz-lhe – Pronto, tem calma… – e beija-lhe a testa. Ela mete as mãos por dentro dos calções dele e aperta-lhe as nádegas. – Ei?! Que estás a fazer?!
- Cala-te. Por favor, cala-te e faz amor comigo.
- O quê?!
- Faz amor, faz sexo, fode-me, como lhe quiseres chamar, mas, por favor, o meu pai morreu há um ano, a minha mãe está totalmente drogada com anti-depressivos e soporíferos e eu sinto-me completamente sozinha! Por favor, faz am... – Adão não a deixa acabar a frase. Beija-a. Despem-se. Deitam-se. Tocam-se. Ele penetra-a. Não o faz por amor. Não o faz por pena. Fá-lo por desejo. Fá-lo porque a quer desde o primeiro momento em que a viu, no avião. Fá-lo porque o maldito calor de África a isso obriga, como se soltasse raios de luxúria em vez de luz. Fá-lo até o corpo de ambos estar tão dorido que já não aguentam mais. E então deitam-se um ao lado do outro, sem falar, sem se olharem, quase sem se tocarem. A ventoinha que gira no tecto, mesmo por cima dos seus corpos nus, alivia-lhes, lentamente, o calor. Adão acaba por adormecer. Eva veste-se, bebe o copo de água que ficou à espera em cima da mesa e sai do quarto.
3 comentários:
eléeeeeee caliente caliente! sim sr. isso é q foi inspiração, o calor tem destas coisas....
e mais e mais?
Escolhi certamente as datas erradas para viajar para lá...LOL. Longas ausências, grande talento ! ;)Bjk
dizias romance de cordel? eu diria de corrente de ferro! porque nos prende!
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