08/03/2007

O tipo que enlouqueceu

As sombras continuam a sair das paredes. Umas atrás das outras, como se brincassem à apanhada, a saltitar, a correr, aparecem e desaparecem pelo canto do olho, de frente, de todo o lado. Vejo-as agora ainda mais claramente, não sei se pelas paredes serem mais brancas do que quaisquer outras paredes brancas que vi, se pelos comprimidos que me forçam garganta abaixo todos os dias. Não me deixam escolher entre azul ou vermelho, os enfermeiros não se vestem com roupas pretas, casacos de couro e óculos de sol como me lembro do "Matrix", eu não sou o Keanu Reeves e eles não são o Lawrence Fishburne, isto não é sequer um pesadelo. E pensar que fui eu que pedi ajuda. As sombras espreitavam-me por cima do ombro e fugiam quando as confrontava; agora falam comigo, riem-se de mim, gozam com a minha figura ridícula vestido com umas calças de pijama brancas e os braços amarrados na barriga pela camisa-de-forças. Para o meu próprio bem, disseram eles. Pois, claro, não deve ter nada a ver com o facto de ter partido um braço ao enfermeiro que me apareceu numa das minhas crises… como é que era? Ah sim: “acessos temporários de loucura provocados por alucinações relacionadas com sombras vivas”. Claro que quando perceberam que ainda conseguia usar as pernas e a cabeça, começaram a dar-me pastilhinhas brancas, rebuçados “Floco de Neve”, não fosse o incrível sabor amargo e a dormência que me percorre o corpo pouco depois. E não é só o corpo que enfraquece, a minha cabeça também vai ao ar, ou ao chão, talvez seja mais correcto. É nessa altura que elas aparecem. Apontam-me o dedo, sim, porque agora são figuras completas, braços, pernas, cabeça e olhos, oh meu deus, olhos, tenebrosos, escuros, mais escuros ainda do que o resto do corpo, e falam entre elas, oiço-as comentar o fio de baba que me escorre da boca, o cabelo desgrenhado, o ombro quase deslocado por me tentar soltar da camisa, os pés em sangue de pontapear a porta, e riem-se, riem-se de mim e eu berro e grito e uivo e elas riem-se ainda mais alto como se tentassem abafar a minha angústia, como se me desafiassem a gritar acima delas, como se quisessem que eu gritasse acima delas, como se soubessem que os meus gritos enlouquecem os enfermeiros a tal ponto que, um por um, todos eles acabam por entrar nesta sala e por me espancar, de mão aberta, para não deixar marcas piores dos que as que eu deixo em mim próprio. Eles, tal como as sombras, sabem o que fazem e eu, assombrado por elas, espancado por eles, tento agarrar-me a uma pontinha de sanidade, a tentar lembrar-me de como era a vida antes de tudo isto, a declamar poemas que li, a cantarolar músicas que ouvi, a sentir o calor do sol na cara e o vento gelado na espinha, o sabor do sushi a deslizar pela garganta e a rever… a ver… as sombras… as sombras! As sombras, deus, as sombras!

4 comentários:

pinky disse...

bemmmmmm essa omelete de cogumelos acompanhada de chá de bolinhas de neve vindas da holanda inspiraram-te á séria hiihihihihiih
esperam-se cenas dos próximos capitulos completamente tenebrosas...... be very afraid
watch out for the black eyes......

polegar disse...

assombroso, estranho. mesmo. :)

O Estranho disse...

:D
Pinky: da Holanda só um postal, cogumelos nem vê-los, mas já sabes que é coisa que não...:P
Polegar: assombroso? devias ver os meus sonhos! eheheheheh Espera, porque raio é que estou a rir?!:S
Beijinhos

pinky disse...

enlouqueceu de vez e levantou vôo para a lua para não mais voltar? buáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa