02/02/2007

A morte dos heróis

Lembro-me bem da noite em que eles apareceram. Foi em Dezembro, uns dias antes do Natal. A cidade estava fria, claro, mas ainda assim eles vieram. Eram quatro no início. Continuavam a ser quatro no fim...
Já ninguém usa o nome original da cidade, há anos que toda a gente lhe chama Inferno, mas não foi sempre assim. Tudo piorou depois de eles desaparecerem, os crimes, os assaltos, as mortes, alguns pontos da cidade são autênticos campos de batalha nas mãos dos barões de droga e dos traficantes de armas. A polícia? A polícia manteve-se limpa num mundo de corrupção, por estranho que pareça, mas isso fez com que perdessem força, apoio, recursos, todos os políticos têm os bolsos cheios de dinheiro sujo e não interessa quem está no poder. Todos fomos obrigados a ficar, o poder central forçou a construção de um muro, Golias, como lhe chamamos, que cerca toda a cidade, “ninguém entra” foi o pretexto que usaram, mas a verdade é que “ninguém sai” e esse é o verdadeiro objectivo do maldito. Estamos isolados do resto do mundo. Mas há uns anos estivemos no topo desse mesmo mundo, fomos a primeira cidade a ter super-heróis.
Quando eles apareceram, a cidade estava enterrada na mais profunda escuridão, o excesso de população tinha completamente deitado por terra o sistema de alimentação eléctrica. Durante o dia foi engraçado ver que nada do que estávamos habituados a ter funcionava, computadores, escadas rolantes, o metro, foi talvez o dia menos produtivo e mais divertido do ano. Mas depois chegou a noite. É uma reacção estranha quando os nossos vizinhos disparam contra qualquer ruído da escuridão, por medo. O número de pais que dispararam contra os próprios filhos nessa noite seria o suficiente para preencher os jornais e telejornais de uma semana, juntamente com todas as pilhagens, violações e outros e inúmeros crimes. E foi nessa noite que eles chegaram, quando mais precisávamos deles, eles vieram. Três mulheres, um homem, um grupo que deu origem a muitas piadas, primeiro sobre a virilidade de um homem disposto a percorrer a cidade no meio de três mulheres e, mais tarde, sobre aquilo que esse mesmo homem faria às companheiras. Piadas contadas apenas como brincadeira, ninguém, nem mesmos os criminosos conseguiam deixar de ter respeito. Eles não tinham poderes mágicos, não voavam, não tinham alta tecnologia para os proteger, limitavam-se a estar onde eram precisos. E a ajudar quem precisava e foi isso que os tornou únicos. Como é óbvio, o crime desceu e a própria polícia dependeu, por vezes, da ajuda de cada um deles. As ruas pareciam mais seguras, mas, claro, o crime nunca deixou de existir realmente.
Primeiro, tememos. Depois, agradecemos. No fim, odiamos. E agora choramos. Uns anos depois de aparecerem, foram ligados a um ataque terrorista. Não cometeram qualquer crime, mas um político, corrupto, como viríamos a descobrir, lançou o mote de que o “mal” só aparecia na cidade para contrapor o “bem” que eles representavam. Os média agarraram essa ideia como se fossem náufragos agarrados a uma bóia. Supostamente, os criminosos escolhiam fustigar a cidade para os derrotar. Curiosamente, foram as milícias civis que acabaram por os matar. A Mini Cat foi empurrada de uma varanda, porque pensaram que estava a assaltar uma casa. A Pink Avenger ficou presa numa casa em chamas. O Strangeman e a J-Woman não resistiram ao linchamento quando a população finalmente os apanhou. E esse foi o fim. A cidade rejubilou com as notícias, o “bem” tinha morrido, o “mal” acabaria por voltar para a toca. Mas nada aconteceu como o esperado. O “bem” era, na verdade, como um dique que empurrava o mal para trás e quando esse dique rebentou… Tudo aconteceu muito depressa. Num mês, choraram-se cinco ataques com bomba em escritórios, lojas, escolas. A situação tornou-se propícia para o crime, o tráfico de droga, tudo o que estivesse para lá da lei e fosse rentável era visto como uma carreira de futuro. Foi então que se construiu o muro, como se se cortasse uma perna para evitar que a gangrena matasse o resto do país. E agora choramos pelos nossos heróis.

3 comentários:

pinky disse...

arghhhhhhh....morte pelo fogo?! arghhhhhhhhhhhh....
brilhante texto e muito bem escrito, só espero q em vez de ser um fim, seja mesmo um ínicio brilhante!
cheira-me q a história ainda vai dar uma grande volta, será? hope so.....

O Estranho disse...

bem, pensa cosmicamente, as fénixs renascem das cinzas...;)
Mas não, acho que não vai haver reviravolta, gosto destes ambientes apocalípticos em que tudo corre mal e é o Zé Banal que tem de se safar sozinho. Beijinhos

polegar disse...

então, então! os gatos têm 7 vidas!! :P :P
porque é que nos mataste? podias ter morto o super-homem, o aranha aquele ou o outro verde!!!