16/11/2006

diálogo sob a lua de Poe II

O tipo está alagado em suor, quase me dá pena. Mesmo assim, meto-lhe a pistola na boca e seguro-me para ele não me ver a rir pelo disparate homossexual em que acabei de pensar.

- Tens alguma coisa a dizer? – sempre adorei o Fight Club, faço questão de usar esta frase sempre que despacho alguém – Bem me parecia que não. Mas tem calma, não te preocupes, não vai ser assim.

Ele tem as mãos atadas atrás das costas e está a um metro de mim, de joelhos e, agora que lhe tirei a pistola da boca e o voltei a amordaçar, inclinou-se, com a testa encostada ao chão. Pelo menos parou de lutar; de certeza que já ouviu falar de mim – reconhecem-me pela cicatriz do queixo – e sabe que desta noite não escapa.

- Diz-me, gostas de bifes grossos ou finos? – a pergunta deixa-o tão perplexo que se endireita rapidamente e fica a fitar-me num misto de espanto e confusão - É só para saber... – vejo este olhar sempre que faço esta pergunta. Quando me vêm, todos aqueles que caço sabem o que lhes vai acontecer, sabem o que fizeram para eu andar atrás deles e sabem que nunca ninguém me escapou, mas só as vítimas conhecem esta parte do meu trabalho e esses… digamos que não conseguem falar muito bem depois de eu tratar deles.

- Tu sabes quem eu sou, li-te isso nos olhos mal me viste e tentaste fugir. Mas tens essa vantagem sobre mim, sabes? Não faço a mais pequena ideia de quem és, do que fizeste ou de quem me contratou para te apagar. Como deves saber, quando sou contratado limito-me a discutir o pagamento – metade antes, metade depois de enviar uma prova em como o serviço está feito –, dizem-me o alvo e eu trato do assunto mal a primeira prestação entre na conta. Não faço perguntas acerca de Porquê, não me fazem exigências em termos de Quando. Às vezes tentam pedir-me o Como, mas isso depende sempre de mim. A única coisa que não sou eu que decido é o tipo de provas a apresentar. A maior parte pede umas simples fotos, mas já tive pedidos menos canónicos. Não imaginas a complicação que é enviar um coração humano pelos correios…

Ele começa a chorar e baixa de novo a cabeça. A lua cheia, amarela e melancólica, reflecte-se na cabeça húmida dele como uma auréola. O Douro ondula com a brisa que se faz sentir, chega-me o cheiro de algas e de peixe e o barulho de carros em aceleração competitiva.

- Não és muito falador, pois não? – este meu humor quase sádico é outra coisa que ninguém conhece, mas de certeza que todos suspeitam, ninguém se torna assassino a soldo só porque está desempregado – Bom, a noite já vai longa e tu já deves estar farto de mim, vou explicar o que te vou fazer. – nesta altura, todos tentam fugir. Todos. Mas este não pode. O sacana ainda tentou dar luta quando o apanhei, acertou-me um murro e tudo! Claro que sossegou quando lhe dei um tiro no pé. Ok, nos dois pés.

- Sabes, é sempre um risco matar alguém. Não sei se vês o CSI, mas os sacanas descobrem sempre tudo. Claro que se não houver corpo, não há nada para descobrir… O que eu faço é muito simples: mato-te e esquartejo-te. Calma, calma, – ele começa outra vez a debater-se mal houve a palavra esquartejar – nem sei porque estás assim! A sucessão é primeiro morres e só depois é que te esquartejo, nem chegas a sentir nada. – ele acalma-se, como todos os outros antes dele. É curioso que é sempre a ideia de dor que os assusta e não a da morte – Mas como eu dizia, depois de te esquartejar, ainda assim tenho de resolver a questão de o que raio faço com os bocados? Podia fazer uma coisa tipo Brick Top no Snatch, conheces esse filme? O Brad Pitt a falar à cigano irlandês está incrível, não achas? – não me responde, nem com um aceno – Bom, mas a verdade é que com as inspecções de higiene nas pocilgas, torna-se complicado aparecer numa quinta com 70 kgs de carne, acho que é mais ou menos isso que pesas, e dizer “Olhe, dê isto aos seus porcos e não ligue às características humanas da carne!”. Bem, descobri que é muito mais fácil vender a carne directamente a uma grande superfície. É só comprar uma carrinha frigorífica para a coisa parecer real e consigo sempre fechar negócio, eles estão sempre demasiado ocupados, quase nem olham para os certificados de qualidade falsos e acabo por passar por um desgraçado que não conseguiu vender a carne toda no talho do costume e estou a tentar fazer um dinheirinho extra. É assim simples. Claro que não lhes posso vender a cabeça, as mãos, etc, mas essas partes carbonizo, desfaço o que sobrar na picadora que viste na mala da carrinha frigorífica e basicamente espalho as cinzas no cimento de alguma obra da cidade, e obras, como se sabe, é coisa que não falta nas cidades. Nunca ninguém chega a descobrir corpo porque não há corpo.

Parou de chorar. Neste momento, sei que se lhe tirar a mordaça nem sequer tenta gritar, limita-se a rezar, sabe que não tem como escapar disto. Respiro fundo, levanto os olhos ao céu e olho, por uns segundos, a lua cheia amarela, digna de um conto de Poe. E é então que lhe aponto a pistola à testa e pergunto outra vez:

- Diz-me, gostas de bifes grossos ou finos?

2 comentários:

Anónimo disse...

hahhahahhaha...you´re really strange!
grande episódio, graças a deus que não moras cá para baixo ainda corria o risco de comer uns bifes adocicados de carne humana xiiiiiiibate!
bem rezo aos santinho que os super herois entrem rápido em acção pk senão o desgraçado vai mm viras bife com pimenta!

Anónimo disse...

depois de ler isto, tenho de te telefonar a propor qualquer coisa...