Conversas nocturnas
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- Olá.
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- Pânico de solidão? Sim, sei o que é, também já me aconteceu. Toda a gente, mesmo os mais solitários, às vezes sofre disto.
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- A última vez que me aconteceu, estava em casa. O meu cão tinha morrido há cerca de um mês, de velhice. Tivemos que abater a minha gata, alguns meses antes, por causa de uma doença provocada pela velhice. Tinha discutido com o meu pai (nada de novo). Não parava de ver vultos à minha volta, debruçando-se nos meus ombros, passando a correr pelas escadas estranhas, reflectidos no monitor, em todo o lado. Eles não sossegavam.
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- Ainda os costumo ver, sim, mas isso fica para outra altura. Comecei a tremer. Comecei a chorar. Tudo por causa do pânico de solidão.
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- É fácil de identificar, começas a ter arrepios e suores frios, depois tentas ouvir qualquer coisa, mas parece que não há ninguém na rua e por fim começas a sentir um peso enorme nos ombros e uma aflição tremenda.
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- Sentia-me perdido. Para piorar a situação, a minha rua – já de si calma – estava absolutamente deserta. Foi há alguns anos, mas recordo-me perfeitamente da sensação. Da angústia de não perceber o que se passava, porque raio é que estava assim? Estava a ler, sossegado, e de repente aquilo?! Tinha discutido com o meu pai.
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- Trivialidades, como quase todas as discussões com os pais. Mas, como quase todas as discussões com os pais, sentia-me uma desilusão. Sentia que não tinha saído bem como era esperado. Isso piora sempre o pânico de solidão. Pensamos sempre que estamos sozinhos porque não valemos nada, absolutamente nada. Somos menos que nada, somos um menos infinito!
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- Nessa altura, não tinha telemóvel ou saldo, qualquer coisa assim, e estava praticamente proibido de usar o telefone. Estava completamente sozinho e, claro, os maus pensamentos atacaram.
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- Fui para a garagem. Não se ouvia nada. Seria o último Homem na Terra? Teriam todos os outros morrido nalgum desastre nuclear sem eu dar conta? Ou … será que era eu que estava morto? As lágrimas aumentaram. O vento soprou e fez um barulho assustador quando bateu no telhado. De repente, uma chave rodou, o portão abriu, o meu pai entrou, e eu senti que me tiravam o peso do mundo de cima dos ombros.
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- É-me impossível descrever o que senti. Sei que estava quase deitado e, quando dei por mim, estava no quarto, a limpar as lágrimas. Afinal de contas, “um homem não chora” e, como eu era um puto, achava-me um homem.
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- O pânico de solidão ataca em qualquer altura. É fácil de resolver, mas a sensação é terrível. É por isso que, às vezes, tenho que pegar no telemóvel e mandar uma mensagem qualquer, por mais disparatada que seja, a alguém que me responda.
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- Sabes, para parede és muito chata! Sim, também acho curioso que tenha sido o meu pai a salvar-me…
3 comentários:
post maravilhoso, este teu.
também senti muitas vezes pânico de solidão, pânico de desapontamento, pânico de frustração. um peso no peito, o coração acelerado ou tão fraco que tenho de procurar a veia do pescoço para sentir-me viva. e mesmo assim não funciona...
às vezes mesmo acompanhada. a necessidade de me deitar num abraço para morrer quente.
gosto disto: "quando dei por mim, estava no quarto, a limpar as lágrimas. Afinal de contas, “um homem não chora” e, como eu era um puto, achava-me um homem." Sabes, para mim um homem é muito homem quando chora. normalmente chora menos e portanto por razões de peso...
beijinho para ti e para a parede :)
Por norma, não gosto que me vejam chorar, sinto-me fragilizado. Mas já desatei a chorar no meio de um autocarro. A reacção do amigo que ia comigo foi reconfortante: "Oh, então?!":) Mas chorar às vezes faz bem. Alivia.
Eu e a parede temos longas discussões. E quando chega o tecto, então!
1 beijo
coisas menos tristes: já tens as dicas para o teu rabiosque, em resposta à tua encomenda eheheh! vê nos comments lá para baixo. beijinho
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