31/08/2004

Adeus

Estou no quarto estranho, sozinho. Há vento lá fora, e frio, chuva, vida. De repente, ouço-te miar. Mecanicamente, abro-te a janela e tu entras, sem qualquer esforço, sacudindo a cabeça para tentar afastar a água da chuva e o frio. Mias outra vez e percebo que tens fome, por isso, pego em ti e vamos para a cozinha. Deixo-te em paz para que possas comer descansado e subo ao quarto, onde estou agora a pensar. A recordar… Voltas para a minha beira, ainda a lamber os bigodes, e os teus olhos brilham de satisfação. Deitas-te a meu lado e adormeces. Olho-te com carinho e afago-te a cabeça. Tu estremeces e mias. Como gostas de miar! Como gosto de ti… Talvez farto de mim, talvez farto de estar em casa, levantas-te, diriges-te à porta e mias. Para que queres ir lá para fora, está a chover! E mias. E eu acedo ao teu pedido. E afago-te a cabeça mais uma vez. Duas horas depois, ouço-te miar outra vez. Mas agora não estás à porta ou à janela. Estás deitado, no meio da rua, e não te consegues levantar. Foram as minhas mãos a última coisa que sentiste, enquanto te puxava para a berma da estrada. Afago-te a cabeça, pela última vez, enquanto te preparas para viajar. Não sei se continuas a miar. Não sei sequer onde estás, nem sei por onde hei-de começar a procurar-te. Sei que gostava de te ouvir neste momento, para, mecanicamente, te abrir a janela e tu entrares.

Estou no quarto estranho, sozinho. Lembro-me de como te olhei, com um sorriso nos lábios, quando estavas deitado à minha beira, quente e satisfeito. Lembro-me de como te olhei, de lágrimas nos olhos, quando estavas deitado na berma da estrada, frio e a sofrer. Penso nas palavras que nunca te disse. Adeus, Faísca…

1 comentário:

Anónimo disse...

seja qual for a despedida, seja pra quem for a despedida, nunca é fácil, nunca é leve. pelo menos para aquelas pessoas com o terrivel defeito de depender da presença dos outros, da existencia dos outros, essa tais pessoas talvez "Homens sensiveis".
bom, mas a verdade é que as despedidas sao inevitaveis. agora resta guardar na memoria o miar do Faísca e, se calhar, arranjar uma faísquinha nova, para voltares a ter um "estranho" miau miau à janela, à porta, no quarto, na cozinha,(...), no telhado(este no fim, porque fica sempre giro ver um gato no telhado).

as minhas condolencias, "tio Inverno".
.joana.