O Estranho
Há um quarto estranho, ao cimo de umas escadas estranhas, numa casa estranha de um país estranho de um mundo estranho. Nesse quarto, há um rapaz não menos estranho que se veste de negro. Não quer que o vejam. Não quer estar sempre a enfrentar esse mundo que é tanto dele como o vermelho é do frio. Ele foge. Não porque quer, mas porque às vezes tem necessidade disso. Precisa de fugir, esquecer que já fez parte desse mundo, noutros tempos, quando era jovem. Quando era infeliz. Ou assim pensava. Talvez não fosse infeliz. Talvez só pensasse que o era porque não pensava. Porque era jovem. Porque não tinha que se preocupar com o amor, a escola, os amigos, com a vida em geral. Inevitavelmente, era suicida. Deitava-se e pensava em razões para viver. Todas as noites o mesmo ritual. Todas as noites a mesma conclusão. Não há razão para viver. Todas as noites a mesma angústia e sempre a mesma falta de coragem. É difícil ter uma faca na mão e dizer “É hoje!”. Ele chorava. Não porque ia morrer, mas porque era jovem. Porque é difícil ter-se 18 anos e pensar que nunca mais se vai ver o sol, a lua, uma árvore… É difícil ter-se 18 anos e nenhuma razão para viver. É difícil ter-se 18 anos e chorar todas as noites por não se ter motivos para viver. É difícil. Hoje, o rapaz já não tem 18 anos. Já não precisa de chorar todas as noites por não ter motivos para viver. Já os tem. E sejam eles quais forem, dão-lhe força para se levantar todos os dias e ir para Casa, onde está com os amigos, com os colegas e até com alguns desconhecidos. Descobriu que a vida é feita de altos e baixos. De desilusões, de angústias, de tristezas, mas também de alegrias, de sorrisos, de elogios, de humor, de felicidade, de amizade, de exultação, de frenesim, de gargalhadas, de abraços, de beijos, de olhos e de amor, inevitavelmente, de amor. Ainda chora. Não pelo presente, ainda que este nem sempre seja feliz, mas pelo passado. Por tudo aquilo que fez de mau e de que agora se arrepende tanto. Por tudo aquilo que podia ter feito de bom e que agora lamenta tanto não ter feito. E chora ainda por isso. Mas também chora de felicidade. Só ocasionalmente, porque não se pode abusar! Mas sorri. Sente-se feliz por ter sido cobarde, por não se ter suicidado. E sorri. Sorri porque, apesar de ter de se refugiar de vez em quando, gosta do mundo. Acha que vale a pena lutar por ele. Acha que vale a pena tentar ser feliz. Ainda sente que não faz parte deste mundo (não por se achar melhor, mas por se achar Estranho). Mas hoje brinca. Diz que é um suicida frustrado.
- E que bem que sabe essa frustração…
4 comentários:
curiosamente, este texto é tudo menos estranho :)
bem vindo à blogosfera, este mundo (de resto também) muito estranho.
[.joana.]
[borrasdecafe]
Cara Filha do Outono,
obrigado pelo primeiro comentário do meu blog.
Outros tentaram antes de ti, mas tu foste a única bem-sucedida! :)
ó estranho, mas afinal quem és tu?
serei eu a única que ainda não sabe?
bolas...
[és o "tio" Inverno?]
.joana.
Há sempre qualquer coisa que faz com que tudo o resto valha a pena...
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